Analista de sistemas em uma empresa de gás, B., de 33 anos, sempre se interessou pelo mercado financeiro. Com um bom salário, mais de R$ 10 mil por mês, fazia aplicações em Tesouro Direto, mas queria mesmo investir em bolsa. Seduzido por comentários de amigos e propagandas de corretoras, buscou informações, fez cursos de day trade, nome dado às operações curtíssimo prazo de compra e venda de papéis em bolsa e, em novembro do ano passado, estreou como trader, juntando-se às cerca de 40 mil pessoas físicas que tentam viver da especulação no mercado.
Sacou R$ 60 mil das economias do Tesouro Direto, depositou o valor como garantia em uma corretora e passou a comprar e vender minicontratos futuros de dólar e de Índice Bovespa.
Perda pode superar o valor aplicado
O day trade nos mercados futuros é diferente do investimento tradicional em ações. Enquanto na compra de ações a perda é limitada ao valor investido caso a empresa quebre, no mercado futuro as perdas são ilimitadas. Se o investidor aposta que o dólar futuro vai subir e ele cai, ele tem de pagar a diferença para quem ganhou. Por isso, as corretoras exigem depósitos de garantias e estabelecem limites de perdas que, quando são atingidos, levam à liquidação compulsória da operação.
Mas o ganho também pode ser ilimitado, por isso a tensão é constante e a adrenalina é alta em meio às oscilações dos preços. O trader tem de ganhar não só de outros traders, mas também de investidores profissionais, como tesourarias de bancos, fundos de investimento e empresas, com seus grandes departamentos de análise e robôs.
Ganhos elevados e página no Instagram
Logo de cara, B. se deu bem e ganhou muito dinheiro. Em um único mês, chegou a lucrar R$ 100 mil com a especulação. O sucesso foi tanto que ele começou a ser procurado por amigos e conhecidos que queriam aprender também suas técnicas para ganhar dinheiro na bolsa. Montou então uma página no Instagram, na qual mostrava suas principais operações e os lucros que obtinha.
Em janeiro deste ano, porém, a sorte de B. mudou. Em um único mês, as perdas chegaram a R$ 70 mil, quase tudo que ele tinha guardado no Tesouro Direto. Mas ele não desanimou. Passou a se dedicar ainda mais ao mercado, tentando de alguma forma recuperar o que havia perdido. Operava todo dia, de casa ou do trabalho, o que acabou por atrapalhar seu desempenho e provocar uma advertência do chefe. Aos poucos, o day trade acabou se tornando um vício.
Começou então a faltar ao trabalho para se dedicar às operações em bolsa. Mas a sorte não mudava e ele estourou os limites na corretora em que operava, acumulando uma dívida. E foi trocando de corretora a cada nova perda, passando pelas principais do mercado, como Clear, Modal, Rico e Genial. O sistema de controle de inadimplência, de aviso ao mercado, que impediria que ele abrisse conta em uma corretora devendo em outra, não funcionou, e ele foi aumentando o prejuízo.
Limite de crédito do banco
B. recorreu então ao limite da conta do cheque especial no banco, um valor alto, para financiar as operações. Quando o limite acabou, avisou a mulher, com quem havia se casado havia um ano e meio, que ia vender o carro para pagar as dívidas. Mas acabou investindo o dinheiro, mais R$ 80 mil, no mercado. Perdeu tudo. Pediu então mais R$ 16 mil para esposa para pagar as dívidas. O dinheiro também sumiu no day trade.
Mudança de humor
Sujeito inteligente e extrovertido, B. parou de sair de casa, só queria operar na bolsa, buscando recuperar os prejuízos, conta a mulher, que passou a se preocupar e questionar o que estava acontecendo. Mas, diante da insistência dela, ele parou de contar o que se passava. Notando a mudança no marido, ela insistiu e o fez procurar um psicólogo, que detectou depressão e receitou remédios e terapia. B., porém, não quis fazer o tratamento. “Meu problema é dinheiro, se a psicóloga me der dinheiro, eu vou”, dizia. Imagem de ganhador
Estranhamente, ele continuava contando aos amigos que estava ganhando dinheiro no mercado e postando trades de sucesso no Instagram. Para todos, ele continuava sendo um vencedor. O que ele não contava é que de cada R$ 10 mil que ganhava, perdia R$ 20 mil.
No dia 19 de julho, uma sexta-feira, B. não foi trabalhar. Ficou em casa para esperar o pedreiro que fazia uma reforma no apartamento. Às 10h30 da manhã, a mulher de B. recebeu uma ligação no trabalho. Era da polícia, afirmando que B. havia sofrido um acidente e que ela deveria ir à delegacia. Como ele andava de moto, a mulher imaginou um acidente de trânsito. Ao chegar, o delegado contou que B. havia se jogado do 14º andar do prédio. No apartamento, os policiais encontraram o computador de B. ligado, com a tela aberta na página da bolsa de valores. Apenas naquela manhã, ele havia perdido mais R$ 37 mil, conta a esposa.
Dívida de R$ 285 mil
Ela soube então que B. acumulava uma dívida de R$ 285 mil no banco, referente aos empréstimos para cobrir os prejuízos no mercado. Além disso, tinha dívidas de R$ 50 mil em uma corretora e R$ 30 mil em outra. Outra surpresa a esperava: ela descobriu que, sem crédito para operar, B. havia aberto uma conta em nome dela em uma corretora, usando seus documentos. E ela, que nunca operou, estava sendo cobrada por uma dívida de R$ 25 mil.
Para a mulher de B., a tragédia tem muito a ver com a situação psicológica de cada pessoa. “Mas devia haver algum sistema de segurança nas corretoras, que visse quando a pessoa está perdendo muito e tentasse impedir”, diz. Com a morte de B., ela passou a ser cobrada pela corretora para pagar a dívida feita pelo marido em seu nome. E também caiu em depressão.